quarta-feira, 25 de junho de 2025

CULTIVO ORGÂNICO DO ALHO

 

CULTIVO ORGÂNICO DO ALHO


O cultivo orgânico de cebola, também importante hortaliça-bulbo, já foi postada neste blog em 13/04/2011.

     Embora não haja unanimidade, tudo indica que a Ásia é o continente de origem do alho (Allium sativum L.). Desde os tempos bíblicos já era cultivado no Oriente, de onde ganhou a Europa, tendo sido introduzido nas Américas pelos colonizadores portugueses e espanhóis. Apresenta folhas lanceoladas que diferem dependendo da localização na planta e possui pseudocaule formado pelas bainhas das folhas. Em condições climáticas favoráveis as gemas do caule se desenvolvem formando cada uma um bulbilho (dente), que em conjunto forma o bulbo (cabeça)O alho, pertencente à família botânica das Liliaceae (a mesma da cebola, alho-porró e aspargo), é uma planta assexuada que se propaga através do plantio dos bulbilhos ou dentes. Caracteriza-se por um bulbo arredondado, conhecido como cabeça, composto dentes ou bulbilhos (Figura 1), envoltos por uma casca que pode ser branca, rosada ou roxa. O número de bulbilhos é muito variável, sendo esta uma característica usada para diferenciar as cultivares. Cada bulbilho possui uma gema, capaz de originar uma nova planta, sendo assim,  dente de alho é a muda utilizada no plantio. A característica mais marcante do alho é o seu cheiro e este se deve à presença da alicina (óleo volátil sulfuroso). Quando as células do alho são quebradas, libera-se uma enzima chamada aliniase que modifica quimicamente a substância alinia em alicina, que resulta no cheiro do alho. Por muitos anos o alho foi desprezado na cultura de países do Ocidente, como Inglaterra e EUA, por causa do mau hálito que provoca. Para todas as culturas mundiais, o alho era um item na alimentação quase tão importante quanto o sal. A diferença de importância foi dada pela rejeição das classes mais altas, em razão do seu cheiro; para anular os odores do alho no hálito, recomenda-se mastigar ramos de salsa fresca. O alho foi reintroduzido na cozinha norte-americana graças aos imigrantes que chegaram a partir de meados do século XIX. O reconhecimento do alho como um superalimento saudável tem crescido nas últimas décadas, tanto que hoje são comuns os suplementos de alho, embora quase todos concordem que o alho consumido fresco é melhor.

Figura 1Bulbo e bulbilhos de alho


Uso culinário, propriedades nutricionais e terapêuticas: o alho tem sido empregado por milênios, numa variedade de funções. A arqueologia tem descoberto esculturas de barro e pinturas em tumbas egípcias, que têm o alho como tema, que datam de 3.200 anos antes de Cristo. Um papiro egípcio de 1500 anos, recentemente descoberto recomenda o alho como tratamento para a cura de 22 doenças comuns. Embora algumas vezes malvisto no decorrer dos séculos, o alho tem sido adotado num amplo conjunto de aplicações nutricionais e medicinais através da história e até os dias de hoje continua melhorando nossa saúde. É importante ressaltar que diminuiu o preconceito no emprego do alho na culinária. Os dentes de alho podem ser usados inteiros, amassados ou em lâminas, dependendo da intensidade de aroma e sabor que se queira dar ao prato.. O alho destaca-se quanto ao valor nutricional, pelo seu conteúdo em calorias, proteínas, carboidratos, fósforo, tiamina (B1) e vitaminas A, B2 e B6. Com relação às propriedades medicinais a Dra. Eloísa C. Pimentel, médica fitoterapeuta e homeopata da Prefeitura de Campinas destaca as seguintes propriedades medicinais: analgésico, anti-inflamatório, anti-séptico, antibacteriano, antimicótico, antiviral; protege o fígado,  é diurético, antioxidante, estimula o sistema imunológico; também é indicado no controle da hipertensão, na redução do colesterol, para gripes e resfriados e ainda como vermífugo (contra amebas); é anticoagulante mas não deve ser usado concomitante com outros anticoagulantes; lactentes não devem usá-lo, pois pode causar cólicas no bebê.  O alho atua com eficácia na prisão de ventre e é um ótimo estomáquico, aumentando a secreção dos sucos digestivos, facilitando a digestão. É um antibiótico natural (contém alicina) e previne as tromboses, purifica as mucosas e evita a formação de catarro. Também tem efeito contra o excesso de ácido úrico, o reumatismo e a arteriosclerose. O alho é altamente indicado para diabetes, sinusite, nevralgia, garganta inflamada, bronquites e asma. Os efeitos benéficos do alho são obtidos com o consumo diário de 2 a 3 dentes. Segundo pesquisa do instituto norte-americano,  homens que habitualmente consomem alho têm menor risco de desenvolver câncer de próstata, devido ao composto à base de sulfeto presente no alimento.  Embora não fosse sabido nos tempos remotos, a ciência hoje confirma que os poderes curativos do alho vêm dos compostos voláteis de sulfa encontrados no alho, incluindo allicin (responsável pelo odor forte), alliin, cyroalliin diallyldisulphide.  O allicin do alho cru é capaz de eliminar 23 tipos de bactérias, incluindo a salmonela e a staphylococcus. Outro composto do alimento, diallyldisulphide-oxide, foi provado ser eficaz contra o mau colesterol, prevenindo que as artérias venham a se entupir. As vitaminas encontradas no alho estimulam o corpo a limpar as toxinas e até mesmo ajudam a prevenir outros tipos de câncer, como o de estômago.  Além do uso culinário, valor nutricional e terapêutico, o alho é uma ótima matéria-prima para fazer caldas, fertilizantes e preparados para o manejo de pragas e doenças das hortaliças. O alho é repelente contra pulgões e lagartas que atacam a lavoura de alho e de outras culturas, além de proteger o alho-semente de nematoides.


Cultivo:   O alho é uma cultura de clima frio, suportando bem baixas temperaturas, sendo inclusive, resistente à geadas. A planta exige pouco frio no início do desenvolvimento, muito no meio do ciclo e dias longos no final. Portanto, temperatura e fotoperiodo são fatores climáticos extremamente importantes à cultura do alho, influindo na fase vegetativa, no bom desenvolvimento e na produtividade. O comprimento do dia ou fotoperiodo, determina em que região e em que época cada variedade deve ser plantada. Cultivares: Existem diferentes tipos de alho e quase todos diferem em relação a tamanho, cor, forma, sabor, número de dentes por bulbo, acidez e capacidade de armazenamento. Acredita-se que exista mais de 600 variedades de alho no mundo e isto ocorre porque as características individuais do alho são modificadas de acordo com as condições de cultivo, do solo, da temperatura, do período de chuvas e da altitude de cada lugar. Dentre os diversos tipos de alho, há os chamados alhos nobres que possuem sempre menos de 20 dentes ou bulbilhos por cabeça, formando um bulbo com diâmetro por volta de 6 cm. Já os alhos comuns podem apresentar mais de 20 dentes por bulbo. As cultivares são também chamadas de clones, porque as mudas são pedaços da planta-mãe. Atualmente, as cultivares que produzem bulbilhos de maior tamanho e em menor número,  são os preferidos dos consumidores. Como exemplos temos as cultivares Amarante,  Gigante de Lavínia,  Gigante Roxão,  Gigante Curitibanos, Chonan, Roxo Pérola Caçador, Quitéria e Caçapava. É muito importante consultar o técnico de seu município para saber as variedades que mais se adaptam à região de cultivo. Soloo alho prefere solos leves, soltos, ricos em matéria orgânica e bem drenados. Não suporta terrenos úmidos. Solos pesados e mal drenados não permitem o bom desenvolvimento das raízes, prejudicando a nutrição das plantas, além de dificultar a colheita. Por outro lado, os solos arenosos não tem capacidade para reter a umidade e os nutrientes necessários para o bom desenvolvimento. As combinações de solos areno-argilosos são os mais favoráveis, bem como os solos turfosos. Adubação: A adubação orgânica deve ser equilibrada, baseada na análise do solo e do adubo a ser incorporado. O pH ideal do solo deve estar em torno de 6,0 a 6,5. O excesso de nitrogênio pode provocar o superbrotamento, produzindo bulbilhos sem nenhum valor comercial. O alho é muito sensível à falta do micronutriente boro, causando o encurvamento anormal das folhas. O excesso de boro também pode ser prejudicial, causando fitotoxicidade nas plantas. Preparo do alho-semente: após a seleção dos bulbos, deve-se selecionar os bulbilhos ou dentes, de acordo com seu tamanho em grandes, médios e pequenos. Os chamados de “palitos” (dentes pequenos e finos que ficam no miolo do bulbo) também podem serem aproveitados, pois além de baratear o custo da “semente”, produzem bulbos normais. Se os bulbilhos, não classificados, forem plantados misturados, a lavoura terá plantas mais ou menos vigorosas, interferindo diretamente nos tratos culturais e na época de maturação.   Época de plantio e preparo do solo:   para as regiões Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste, recomenda-se o plantio em maio à junho; março à abril; maio e março à abril, respectivamente. Havendo necessidade de corrigir a acidez do solo, recomenda-se a aplicação da metade da dose de calcário e, posteriormente uma aração profunda  para  incorporar os restos culturais e o calcário, três meses antes do plantio. Em seguida faz-se a incorporação da segunda metade da dose de calcário, com uma gradeação. A segunda gradagem deve ser feita próximo ao plantio, incorporando-se, se necessário, adubação orgânica. O uso de canteiros é recomendado no caso do terreno for sujeito ao encharcamento, devido principalmente às chuvas frequentes e intensas. Plantio e espaçamento:  tanto no plantio direto como em canteiros, pode-se utilizar o espaçamento de 0,25 a 0,30m entrelinhas por 0,10m entre plantas. Os sulcos de plantio devem ter cerca de 10 cm de profundidade. Após a distribuição nos sulcos, os bulbilhos devem ser cobertos com uma camada de 2 a 3 cm de terra. Cobertura morta:   havendo material disponível, recomenda-se , por exemplo, a cobertura morta que pode ser com palha de arroz, milho, feijão, capim sem sementes (7 a 10 cm), e outros,  logo após o plantio, pois favorece a retenção da umidade do solo, diminui a necessidade das irrigações, diminui a temperatura do solo e, especialmente, retarda o surgimento das plantas espontâneas. Irrigação:  especialmente, nas fases de crescimento da planta e de enchimento dos bulbos é muito importante manter o solo úmido, mas sem encharcar. A irrigação dos alhos de ciclo precoce e ciclo médio ou tardio, deve ser suspensa 10 dias e 15 a 25 dias antes da colheita, respectivamente. Capinas: a cobertura morta reduz bastante as capinas necessárias para o bom desenvolvimento das plantas. Quando cultivado em canteiros, recomenda-se deixar entre eles, a vegetação nativa para servir de refúgio, alimento e multiplicação de predadores do ácaro do chochamento e do tripes que atacam o alho. Adubação de cobertura:  30 dias após o plantio, normalmente, é necessário fornecer  o nitrogênio que as plantas necessitam, através de composto orgânico (5 t/ha) ou chorume de composto (1 parte de composto orgânico peneirado e 2 a 5 partes de água) ou ainda biofertilizantes  (400 ml/m2), aplicando junto a linha de plantio. Manejo de doenças e pragas: Dentre as doenças, a que mais preocupa no cultivo orgânico do alho, especialmente no início do desenvolvimento, é a mancha púrpura ou queima das folhas, causada pelo fungo Alternaria porri  e favorecida pelas temperaturas em torno dos 25ºC. Os sintomas iniciais são manchas brancas, pequenas, alongadas ou irregulares, que se tornam púrpuras, posteriormente, favorecida por condições de umidade e temperaturas elevadas. Aplicações semanais, a partir dos 60 dias após o plantio, com calda bordalesa a 1%, são eficientes no manejo desta doença. Dentre as pragas, as que mais preocupam no cultivo orgânico são o tripes (Thrips tabaci)  que provoca o amarelecimento e secamento prematuro das folhas e o ácaro do chochamento (Eriophyes tulipae) que provoca deformações nas folhas, com retorcimento e secamento prematuro das plantas, afetando o desenvolvimento e a perda de peso e qualidade dos bulbos. O tripes, inseto minúsculo, ataca formando colônias de coloração prateada em vários pontos da folha, mas principalmente a superfície interna da bainha, raspando a folha e sugando a seiva das plantas. O manejo destas pragas pode ser feito com a presença dos inimigos naturais, atraídos pela vegetação nativa que cresce entre os canteiros ou nos corredores de refúgio.  A calda bordalesa (1%) e a calda sulfocálcica também auxiliam no manejo destas pragas. Além da rotação de culturas,  os preparados com alho de acordo com as receitas descritas a seguir, também podem auxiliar no manejo das pragas e doenças que ocorrem no alho e em outras culturas:

-Preparado com alho (Allium sativum)-  manejo de tripes, cochonilhas, ácaros, pulgões, lagarta do cartucho do milho e doenças (podridão negra, ferrugem e alternária): o alho é um antibiótico natural e pode ser usado como inibidor ou repelente de parasitas de plantas ou animais.                                                                                                                                                Receita 1: dissolver 50 g de sabão em 4 litros de água, juntar 2 cabeças picadas de alho e 4 colheres de pimenta vermelha picada. Coar e pulverizar as plantas atacadas;                              Receita 2: moer 100g de alho e deixar em repouso por 24 horas em 2 colheres de óleo mineral. Dissolver, à parte,  10g de sabão em 0,5 l de água. Misturar todos os ingredientes e filtrar. Antes de usar o preparado nas plantas atacadas, diluí-lo em 10 litros de água;                  Receita 3:  7 dentes de alho macerados em 1 litro de água. Deixa-se essa mistura em repouso durante 10 dias. Antes de pulverizar as plantas atacadas, diluir em 10 l de água.


Colheita, cura e armazenamento:  a colheita deve ser feita, manualmente, com o solo levemente úmido, para facilitar a retirada das plantas, pela manhã e em dias ensolarados. Colhe-se quando a planta apresenta, no final do ciclo, a secagem parcial das folhas. Algumas cultivares apresentam o estalo ou tombamento da parte aérea, outras permanecem eretas, depois do amadurecimento. Após a colheita, o alho deve passar pela pré-cura, ainda no campo (1 a 3 dias,

dependendo das condições de clima), organizando-se as fileiras de modo que os bulbos de uma linha sejam cobertos pelas folhas da fileira do lado, para proteção do sol direto. Posteriormente, o alho deve ser levado para um galpão, bem seco e arejado, para fazer uma cura mais lenta (20 a 60 dias). O alho pode ser conservado por 4 a 6 meses em armazéns não refrigerados. O alho pode ser armazenado com a rama, solto ou em réstias; ou sem a rama em caixas e sacos. Quando  pendurado em réstias, facilita a conservação do alho-semente para o próximo plantio.



segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Práticas não Sustentáveis na Agricultura

 

   O conceito de agricultura mais sustentável envolve o manejo adequado dos recursos naturais, evitando a degradação do ambiente de forma a permitir a satisfação das necessidades humanas das gerações atuais e futuras. O conceito absoluto de agricultura sustentável pode ser impossível de ser obtido na prática, entretanto é função das empresas de pesquisa e extensão rural de todo o Brasil, oferecer opções para que sistemas “mais sustentáveis” sejam adotados na agricultura.

Revolvimento e uso inadequado do solo 

     Em regiões de clima tropical e subtropical, predominantes no Brasil, a utilização intensiva e exagerada de máquinas e equipamentos pesados (trator equipado com arado, grade, escarificador e, principalmente a enxada rotativa), contribuem para desagregar e compactar cada vez mais o solo (Figuras 1 e 2), causando rápida decomposição da matéria orgânica em quantidades maiores do que a reposição e, em consequência, diminuindo a produtividade. Além disso, as chuvas intensas e frequentes, cada vez mais comum, associada aos declives dos terrenos e, especialmente o preparo do solo “morro abaixo”, causam grande perdas de solo (erosão) assoreando os rios e, contribuindo para as enchentes. O manejo inadequado do solo torna as lavouras cada vez mais exigentes em insumos e, em geral menos produtivas e, o que é pior, com alto custo de produção, pois a maioria dos agroquímicos são importados. Em outras palavras, o revolvimento do solo não combina com o uso sustentável da terra em nosso país; somente se justifica em algumas situações específicas para algumas culturas mais exigentes no preparo do solo e, principalmente, quando houver a necessidade de corrigir a acidez e a fertilidade do solo e, especialmente, em países onde o solo permanece coberto por neve em longos períodos do ano. 


Figura 1. A compactação do solo impede o desenvolvimento normal das raízes das plantas. O preparo do solo com máquinas e implementos pesados, especialmente em áreas de declive acentuado, provocam a erosão e a compactação do solo.


Figura 2. Pé-de-arado ou pé-de-grade: Camada de solo compactada que se desenvolve abaixo da camada superficial, devido às frequentes arações, gradeações e uso de enxadas rotativas

    Outro problema é o uso incorreto do solo para o cultivo de determinadas espécies. Em solos com declividade acentuada não recomenda-se o plantio de espécies anuais. Havendo alguma declividade, deve-se utilizar práticas que visem a conservação do solo, tais como o plantio em curva de nível, plantio direto, construção de terraços e outras. Para mais informações sobre as práticas de conservação dos solos, sugiro acessar o seguinte endereço: http://catuaba.cpafac.embrapa.br/pdf/doc90.pdf

     No cultivo orgânico o solo é tratado como um “organismo vivo”, ou seja, priorizando a manutenção de cobertura vegetal, a adubação orgânica e o revolvimento mínimo do solo, entre outras práticas (Figura 3). O manejo adequado do solo proporciona o aumento da resistência das culturas às pragas, doenças e adversidades climáticas (estiagens e chuvas intensas). A vida do solo depende da matéria orgânica (solo sadio). Por outro lado, o revolvimento exagerado do solo, associado à utilização indiscriminada de agroquímicos, tem provocado, cada vez mais, a compactação do solo (Figuras 1, 2 e 3), o surgimento de doenças e pragas e, o que é pior, a contaminação de alimentos, solo e água, bem como a intoxicação de consumidores, agricultores e da fauna (solo doente). A verdadeira fertilidade é resultado da interação entre os aspectos químicos, físicos e biológicos do solo, sendo que a intensa atividade biológica no solo, determinará melhorias duradouras em suas qualidades químicas e físicas.



Uso indiscriminado e exagerado de agrotóxicos e fertilizantes químicos
     Boa parte dos agrotóxicos aplicados no campo é perdida. Estima-se que cerca de 90% dos agrotóxicos aplicados não atingem o alvo, sendo dissipados para o ambiente e tendo como ponto final reservatórios de água e, principalmente, o solo. As perdas se devem, de forma geral, à aplicação inadequada, tanto em relação à tecnologia quanto ao momento de aplicação; em alguns casos, porque a aplicação foi feita para dar proteção contra uma praga ou patógeno que não estão presentes na área. Isso ocorre porque ainda são realizadas pulverizações baseadas em calendários e não na ocorrência do problema.

     A agricultura “moderna” está baseada no uso intensivo de insumos. A adoção do sistema de monoculturas, o uso desequilibrado e altas doses de fertilizantes químicos e os agrotóxicos favoreceram a ocorrência de epidemias causadas por doenças e pragas em plantas. Os adubos químicos solúveis, especialmente os nitrogenados como a ureia e, os agrotóxicos, através do estímulo a um processo chamado proteólise, promovem a formação de substância orgânicas simples na seiva das plantas, tornando-as mais vulneráveis e atrativas às pragas e doenças. Para reduzir as perdas provocadas pelas doenças e pragas, o controle químico através da aplicação de agrotóxicos foi a principal ferramenta utilizada durante muitos anos. No entanto, a partir da publicação do livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, em 1962, os cientistas e a sociedade perceberam a necessidade de buscar alternativas para eliminar os agrotóxicos na agricultura. Os agrotóxicos são apontados como formulações potencialmente perigosas, pois deixam resíduos nos alimentos, além de contaminar a água, o solo e os agricultores. Os agrotóxicos podem apresentar uma eficiência reduzida por ser afetados por inúmeros fatores (condições climáticas, especialmente no momento da aplicação e o local a ser protegido), além de selecionar populações resistentes de plantas espontâneas, pragas e microrganismos. 

     Além dos agrotóxicos serem perigosos para a saúde humana e para o meio ambiente, as medidas para o uso seguro destas substâncias, não são seguidas (Figura 4). Raquel Rigotto, professora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), em entrevista, ela defende o debate sobre uso de agrotóxicos como um tema estratégico e critica a ideia de que é possível utilizá-los de forma segura, devido aos seguintes fatores:

     O receituário não funciona. Pode-se chegar numa agropecuária e comprar um veneno e usar conforme as instruções; Há pouquíssimos laboratórios para análises (contaminação da água e pessoas); 450 ingredientes ativos de agrotóxicos registrados no Brasil em mais de 5.000 municípios; Assistência técnica deficiente: 5 milhões de estabelecimentos agrícolas (16 milhões de trabalhadores rurais, inclusive crianças com escolaridade baixa), conforme censo; maior assistência é feita em propriedades maiores de 200 ha; Fiscalização deficiente: Como fiscalizar a forma correta de aplicar, o uso de EPI, a carência dos agrotóxicos e, o que é pior, aqueles não registrados e proibidos num país continental?


Figura 4. O desconhecimento sobre os riscos no uso dos agrotóxicos e a falta de proteção na aplicação agrava ainda mais a contaminação dos trabalhadores rurais, consumidores e meio ambiente.

  A utilização dos adubos químicos, dos agrotóxicos e das sementes híbridas, além de tornar os agricultores dependentes destes insumos, aumentando ainda mais o custo de produção (grande parte são importados), forma um círculo vicioso e insustentável, interessante apenas para as multinacionais da agroindústria que visam o lucro, sem nenhuma preocupação com o meio ambiente. As sementes melhoradas necessitam mais adubação para se desenvolverem; a utilização do adubo químico torna as plantas mais fracas e mais suscetíveis ao ataque de pragas e doenças e, por isso, se tem que utilizar cada vez mais adubos químicos, inseticidas e fungicidas para manter o nível desejável de produção. Os problemas causados pelos adubos químicos não param por aí: acidificam o solo, tornando a prática da calagem necessária, no mínimo a cada 5 anos, aumentando ainda mais o custo de produção dos alimentos.


As queimadas das matas, bosques, capoeiras e restos culturais e as capinas químicas

     Estas práticas, comuns na agricultura “moderna” com o objetivo de limpar o terreno e facilitar o preparo do solo e o plantio (Figura 5), são totalmente contrárias ao desenvolvimento sustentável, pois além de contaminar o meio ambiente e retirar a cobertura do solo, favorecendo a erosão, ainda desperdiça a matéria orgânica, essencial para a nutrição das plantas e reduz a biodiversidade (nº de espécies), que pode servir de abrigo e alimento aos inimigos das pragas dos cultivos. Em consequência, o produtor terá que gastar mais para a aquisição de insumos visando manter a produtividade dos cultivos. 

Figura 5. Devastação de florestas: além de causar a erosão do solo, reduz a biodiversidade, essencial, para o equilíbrio ecológico.

 É importante ressaltar que ao mesmo tempo que uma planta espontânea (“mato”) indica um problema, também ajuda a solucioná-lo, pois estas plantas indesejáveis ajudam a cobrir o solo, reduzindo a erosão e o aquecimento superficial. A competição por água e nutrientes exercida pelas plantas espontâneas é uma preocupação para o hemisfério norte, onde a estação de crescimento é fria, única e curta. Nas condições tropicais e subtropicais, clima predominante no Brasil, esta competição é menos problemática do que a falta de cobertura do solo; ao reduzir a erosão e o aquecimento superficial, contribuem para melhorar a disponibilidade de água e a absorção de nutrientes pelas raízes, as quais paralisam esta atividade quando o solo atinge temperaturas acima de 32ºC. As plantas espontâneas aumentam a densidade e a diversidade radicular, contribuem para a reciclagem de nutrientes e para melhorar as características físicas, químicas e biológicas do solo. São fontes de biomassa, produzem flores que atraem insetos predadores e podem servir de alimento preferencial para pragas das culturas. Por isso, as plantas espontâneas não merecem ser chamadas de “daninhas” e sim, ser consideradas, como uma reação da natureza à falta de cobertura do solo. 

     Na agricultura orgânica as plantas espontâneas (“mato”) são consideradas “amigas” das plantas cultivadas e, por isso, não devem ser totalmente eliminadas. Ocorre um mecanismo de sucessão natural de espécies numa determinada área e, por isso, a intervenção deverá ser no sentido de auxiliar a natureza para que este processo ocorra ao longo do tempo, para que a população de plantas espontâneas mais “agressivas” seja reduzida a níveis toleráveis, cedendo espaço para as mais “comportadas” e de mais fácil manejo. O crescimento das plantas espontâneas ao redor dos cultivos ou o estabelecimento de áreas ou faixas de vegetação espontânea fora da área cultivada tem a vantagem de assegurar maior estabilidade do sistema produtivo, reduzindo os problemas com pragas e doenças e aumentando a atividade dos inimigos naturais das pragas. 


Redução da biodiversidade através do monocultivo e da extinção de matas, bosques, capoeiras e faixas de contorno

     A diversificação da paisagem geral da propriedade é muito importante, pois restabelece o equilíbrio entre todos os seres vivos da cadeia alimentar, desde microrganismos até pequenos animais, pássaros e outros predadores. A introdução de espécies vegetais com múltiplas funções no sistema produtivo é a base do (re)estabelecimento do equilíbrio da propriedade, incluindo-se espécies de interesse econômico, adubos verdes, arbóreas, atrativas, plantas medicinais, ornamentais e até plantas espontâneas. A preservação de bosques, cercas vivas e até capoeiras, próximos da área cultivada é muito importante para servir como abrigo e alimento de inimigos naturais e, até como quebra-ventos. Recomenda-se incluir nas lavouras faixas de adubos verdes e até deixar refúgios de plantas espontâneas ao redor dos cultivos, pois favorecem os inimigos naturais das pragas que atacam as culturas.

     O cultivo de apenas uma espécie de planta (monocultivo) na mesma área, além de reduzir a biodiversidade, favorece o desequilíbrio nutricional do solo(esgotamento e excesso de alguns nutrientes) e aumenta o número e intensidade das pragas e doenças.