A família botânica das Alliaceaes é composta por várias espécies com destaque para a cebola (Allium cepa) e o alho. É consumida por quase todos os povos, sendo a produção e comercialização distribuídas em todo o mundo. Além da importância sócio-econômica para Santa Catarina (maior produtor do país), a cebola é rica em quercetina, fitoquímico antioxidante, que melhora a circulação e regula a pressão sanguinea e o colesterol. Por ser consumida na forma de salada crua ou cozida ligeiramente e, principalmente como condimento, é essencial que seja produzida no sistema orgânico. A cebola é produzida no Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil, com colheita e comercialização peculiares em cada uma das regiões. Sendo normal o andamento das diversas safras, o país está abastecido durante todo o ano. Apesar disso, no período de setembro a novembro, abastecido pelo Nordeste do Brasil, o cultivo orgânico de cebola precoce no Litoral, é uma boa opção de renda para os produtores, além de acrescentar qualidade e agregar valor ao produto. A susceptibilidade às doenças e pragas tornam a cebola muito dependente de insumos (fertilizantes químicos e agrotóxicos) encarecendo o custo de produção e, o que é pior, contaminando o meio ambiente e causando sérios riscos à saúde do produtor e consumidor. Resultados de pesquisa obtidos pela Epagri, através da Estação Experimental de Urussanga, comprovaram a viabilidade técnica do cultivo orgânico de cebola e, o que é melhor, com ótima qualidade e com menor custo de produção.
Recomendações técnicas
.Escolha correta da área e análise do solo: deve-se evitar áreas encharcadas e, já cultivadas com outras espécies da mesma família (alho) nos últimos dois anos. A análise do solo deve ser realizada com antecedência para que o técnico possa fazer a recomendação adequada da correção da acidez e adubação.
.Cultivares e épocas de plantio: as cultivares plantadas em Santa Catarina podem ser agrupadas, de acordo com o ciclo, em precoces e médias. Ciclo precoce – são semeadas em abril/maio e transplantadas em junho/julho, dependendo do local e da altitude; são menos exigentes quanto ao comprimento do dia e não resistem ao armazenamento prolongado. As cultivares indicadas são: Epagri 363-Superprecoce, Empasc 352-Bola Precoce, Baia Periforme, Aurora, Régia, Primavera e Madrugada. Ciclo médio – são semeadas em maio/junho e transplantadas em agosto/setembro, dependendo do local e da altitude; formam bulbos e amadurecem em dias mais longos e resistem bem ao armazenamento. As cultivares indicadas são: Empasc 355-Juporanga e Epagri 362-Crioula Alto Vale. Os plantios antecipados ou tardios proporcionam produção de bulbos florescidos ou pequenos, respectivamente, determinando o fracasso da lavoura.
.Produção de mudas: após o preparo do canteiro deve-se adubá-lo preferencialmente com 5,0 kg/m2 de composto orgânico ou 3,0 kg/m2 de esterco de gado ou ainda 1,5 kg/m2 esterco de aves, curtidos. A semeadura a lanço é a mais utilizada; pode ser feita também em linhas riscadas transversalmente ao comprimento do canteiro, distanciadas de 10 cm entre si, onde as sementes são distribuídas uniformemente nos sulcos de 1 a 1,5 cm de profundidade. A quantidade de sementes utilizada é de 2 a 3 g/m2 de canteiro. A cobertura pode ser feita com 2 cm de composto orgânico ou pó-de-serra bem curtido ou ainda casca de arroz. Deve-se irrigar sempre que for necessário para manter úmida a camada superficial do solo.
.Preparo do solo: recomenda-se adotar o plantio direto ou o cultivo mínimo, abrindo-se sulcos em torno de 10cm de largura para plantio das mudas de cebola, mantendo-se a cobertura do solo entre linhas (adubos verdes ou plantas espontâneas). São boas alternativas a semeadura de aveia preta no outono e o consórcio milho/mucuna no verão. Outra opção é o transplante das mudas realizado diretamente sobre a palhada.
.Adubação de plantio: a adubação orgânica de plantio deve ser aplicada com base na análise do solo e nos nutrientes do adubo orgânico. Caso seja necessário complementar a adubação, recomenda-se fosfato natural aplicado com antecedência e, cinzas de madeira, como fontes de fósforo e potássio, respectivamente.
.Plantio e espaçamento: a época de transplante das mudas depende de cada cultivar, porque cada uma tem suas próprias exigências de comprimento do dia e temperatura em cada região, em função da latitude e da época de plantio. O plantio das mudas é feito quando estas atingem, em média, o diâmetro de 4 a 6 mm no pseudocaule (espessura do lápis). Caso não haja possibilidade de transplantar na época recomendada, deve-se utilizar as mudas menores para os plantios antecipados e as maiores para os plantios tardios. Utiliza-se as mudas menores nos plantios antes da época indicada para que as plantas tenham tempo suficiente para atingirem o tamanho adequado e, assim formarem bulbos graúdos. Por outro lado, utiliza-se mudas maiores nos plantios tardios para desfavorecer o engrossamento do talo e, em conseqüência, o apodrecimento dos bulbos logo após a colheita. O espaçamento varia de 0,5 a 0,6 m entre fileiras por 10 a 15 cm entre plantas.
.Capinas, adubação de cobertura e manejo de plantas espontâneas: o período crítico de competição com plantas espontâneas é de até 30 dias após o transplante. A primeira capina, bem com a adubação de cobertura, se necessário, devem ser feitas até 45 dias após o transplante. A incorporação deve ser feita a 20 cm das linhas de plantio, mantendo-se parcialmente a cobertura (aveia, mucuna, plantas espontâneas e outras) nas entrelinhas. A adubação de cobertura pode ser complementada com os biofertilizantes.
.Irrigação: o sistema radicular da cebola é superficial e fasciculado com 70% das raízes entre 5 a 20 cm da superfície do solo. A fase mais crítica é na formação do bulbos.Deve-se suspender a irrigação, normalmente por aspersão, por volta de duas a três semanas antes da colheita para evitar a entrada da água no pseudocaule e para facilitar a maturação, melhorando as condições de cura e de armazenamento dos bulbos.
.Manejo de doenças e pragas: as principais doenças no Litoral são: sapeco ou queima-das-pontas e a mancha-púrpura. O sapeco (Figura 1) na fase de produção de mudas e no plantio definitivo da cebola e também a cebolinha verde, pode ser provocada por diversos fungos, deficiência hídrica, desequilíbrio nutricional, fitotoxidez, ozônio e, indiretamente, pelos patógenos do solo. A maior severidade da doença está ligada às mudas no estágio inicial, pois nesta fase qualquer redução de área foliar retarda o desenvolvimento da planta. A mancha-púrpura é causada pelo fungo Alternaria porri . Danos mecânicos, deficiência hídrica ou alta infestação de tripes favorecem a ocorrência desta doença, que ocorre principalmente no final do ciclo da cultura. Dentre as pragas, o tripes ou piolho (Thrips tabaci) podem causar danos econômicos e ainda favorecer a entrada de doenças. Se a temperatura aumentar e ocorrer estiagens, o tripes pode causar sérios danos por meio da raspagem e sucção da seiva das plantas. Com o aumento do ataque ocorre o amarelecimento, o retorcimento e a seca dos ponteiros das plantas e, como conseqüência, diminuição do tamanho dos bulbos, favorecendo a entrada de doenças. O manejo de doenças e pragas após o transplante das mudas inicia-se preventivamente evitando-se terrenos com drenagem deficiente e sujeitos à neblina. As injúrias causadas nas plantas, mecânica ou por tripes, devem ser evitadas, pois podem proporcionar uma "porta de entrada" para fungos e bactérias. A irrigação desfavorece a praga. No manejo da principal doença que ocorre no canteiro (sapeco), recomenda-se a aplicação de cinzas de madeira (50 g/m2) ou diluído em água a 10% em regas antes do orvalho da manhã evaporar. Outra opção é a pulverização com extrato de própolis (0,1%). A calda bordalesa (0,3%) também é eficiente. No plantio definitivo, além de medidas preventivas recomenda-se pulverizações, preventivamente a cada 7 a 15 dias com calda bordalesa (0,5%). Se necessário e, somente na fase de plantio definitivo, recomenda-se manejar o tripes pulverizando-se com calda sulfocálcica à 3% (fase adulta), obedecendo o intervalo de aplicação de 15 dias entre as duas caldas.
.Rotação de culturas: recomenda-se a rotação de culturas com diversas espécies, com exceção do alho que é da mesma família botânica. Resultados de pesquisa obtidos na Estação Experimental de Urussanga mostram a eficiência dessa prática no aumento da produtividade de cebola. Adubos verdes tais como aveia, mucuna, consórcio milho/mucuna, coquetel de adubos verdes (ervilhaca + nabo forrageiro + aveia) e outras, são boas opções para sistemas de rotação e ainda possibilitam o cultivo mínimo da cebola.
.Colheita e cura: a cebola é colhida quando ocorre o tombamento ou estalo da planta, devido ao murchamento do pseudocaule. Iniciar a colheita quando houver mais de 10% de plantas tombadas. Se o tombamento não ocorrer naturalmente pode-se provocar o tombamento da folhagem com rolo de madeira. O processo de cura pode ser natural ou artificial e consiste na secagem das películas externas e do pseudocaule (pescoço). A cura natural deve ser iniciada no campo, por um período de três a dez dias, dependendo do clima. Deixam-se os bulbos, em molhos sobre o chão, arrumados em fileiras com as folhas de uns cobrindo os outros, para protegê-los da insolação direta e, evitar o aparecimento da pigmentação verde e queimaduras.
. Classificação e embalagem: após a cura é feito o corte das ramas a cerca de 1 cm acima do bulbo, sendo então classificados conforme o seu diâmetro. As cebolas devem ser comercializadas em embalagens novas, limpas e secas (sacos com 20 kg de bulbos), que não transmitam odor ou sabor estranho ao produto.
O mercado de produtos orgânicos no Brasil cresce a taxas que variam entre 30% e 50% ao ano. Em 2008, o faturamento desse segmento deve alcançar cerca de U$ 250 milhões – 70% serão gerados com exportações.
Um negócio com essa dinâmica de expansão não pode ser ignorado pelos agricultores que cultivam cebola no Vale do São Francisco, afirma o pesquisador Nivaldo Duarte Costa, da Embrapa Semi-Árido, ainda mais que agora dispõem de informações precisas acerca do manejo da cultura, sem precisar lançar mão de insumos químicos na obtenção de altas produtividades.
Buscar esse mercado amplia as oportunidades comerciais para agricultores dessa região que é a segunda maior produtora do Brasil, atrás apenas de Santa Catarina, defende Nivaldo. Atualmente, no Vale, são colhidas 272.400 toneladas de cebola em 13.620 ha.
Praticamente toda ela é cultivada de forma convencional, em sistemas de produção que tem por base o uso intensivo de insumos químicos. "Há espaço para implantar no campo e oferecer aos consumidores uma cebola orgânica de boa qualidade".
Comercial
Até porque, explica, existe uma base técnica bem estabelecida para plantios nas condições irrigadas do Vale do São Francisco realizados por pesquisadores e professores da Embrapa Semi-Árido, Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Instituto Agronômico de Pernambuco – IPA, e Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola – EBDA.
Em testes de campo, o plantio de cebola com as tecnologias desenvolvidas nesses estudos pode alcançar produtividade de até 38 toneladas por hectare (38 t/ha-1) – quase que o dobro da média obtida nos sistemas de cultivo comercial nas áreas produtoras da Bahia e Pernambuco: 20 t/ha-1. Os estudos tiveram o apoio financeiro do Banco do Nordeste.
Produzir de forma orgânica não significa que o agricultor põe a cultura no campo e deixa que ela se desenvolva por si. Na verdade, o plantio orgânico, da mesma forma que o convencional, demanda práticas agrícolas e conhecimentos para cada etapa de desenvolvimento da cultura: do preparo do solo à variedade mais adequada, de controle de pragas e doenças à lâmina de água para irrigação. E elas precisam ser eficientes com resultados produtivos que dêem retorno comercial aos agricultores. Estar seguro de boas colheitas é um estímulo importante para passarem a adotar em suas propriedades o cultivo orgânico, assegura Nivaldo Costa.
Biofertilizante
Segundo este pesquisador, os estudos e testes de campo envolvendo a Embrapa, UNEB, IPA e EBDA desde 2005 dão esta segurança aos agricultores. As tecnologias e conhecimentos que geraram substituem com sucesso os manejos da agricultura convencional marcados pelo uso intensivo de insumos químicos e práticas que esgotam a fertilidade natural do solo. Além disso, produzir culturas alimentares com recursos técnicos que impactam minimamente o meio ambiente e não ameaçam a saúde de agricultores e de consumidores não é só possível como muito desejável, defende por sua vez o professor Jairton Fraga Araújo, do Departamento de Tecnologia e Ciência Sociais da UNEB.
Uma conclusão desses estudos está relacionada à definição da variedade de cebola mais adequada ao cultivo orgânico. De 20 variedades avaliadas em 2005, foram selecionadas três: Brisa, IPA 10 e Alfa São Francisco. Em outros testes foram estabelecidas as quantidades adequadas dos três principais macronutrientes a serem aplicadas nas plantas de cebola sob cultivo orgânico - nitrogênio (N), potássio (K) e fósforo (P) - oriundas de fontes como a torta de mamona, cinzas vegetais, fosfatos naturais (termofosfatos) respectivamente.
A implantação da cebola nas áreas de testes foi precedida de adubação verde com espécies leguminosas (mucuna preta, guandu e crotalária), com o objetivo de promover melhorias nas propriedades químicas, físicas e biológicas do solo. Após o inicio da floração, foram cortadas e deixadas no local por 30 dias para, só então, serem pré-incorporadas ao solo por meio de gradagem leve. A produção de massa verde incorporada foi estimada em 48 t/ha, sendo que em massa seca obteve-se 15 t/ha.
Segundo Jairton Fraga, a adubação foi feita em dois momentos: um, antes do estabelecimento da cultura; e depois, com a cebola já implantada na área. A cada semana, foram feitas pulverizações com biofertilizante líquido enriquecido à base de micronutrientes cuja formulação básica contém ingredientes como sulfatos de zinco, de magnésio, cobalto além de borax, leite, melaço, esterco bovino e água e aminoácido de peixe, aplicados via foliar.
Paralelo ao manejo do solo, pode ser necessário o emprego de estratégias para controle de pragas e doenças. No caso do cultivo da cebola orgânica, a ocorrência de trips (praga) foi combatida com o emprego de calda sulfocálcica (fungicida). A incidência de antracnose, por sua vez, foi debelada com calda bordaleza (fungicida). Para Nivaldo Costa, o manejo adotado nos testes se mostrou eficiente e impediu o progresso das doenças e pragas sem afetar a produtividade. .
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