Originária da América do Sul, a batata (Solanum tuberosum L.) está disseminada na maioria dos países do mundo; pertence à família das solanáceas, assim como o tomate, pimentão, berinjela e fumo e, caracteriza-se pela formação de caule subterrâneo intumescido, onde se acumulam reservas, denominado tubérculo (parte comestível). A batata, denominada erroneamente de "batata-inglesa", é um dos poucos alimentos capazes de nutrir a crescente população mundial, não apenas como energético, mas também como fonte de proteínas, vitaminas e sais minerais. É boa fonte de vitamina C e do complexo B, além de ser rica em potássio, com bons teores de fósforo e magnésio e razoável fonte de ferro. O baixo conteúdo de sódio a credencia para dietas que exigem baixo teor de sal. As diversas formas de apresentação tornam a batata um dos produtos mais utilizados na cozinha em todo o mundo, como fritas, saladas, purê, cozidas e assadas. A praticidade e a versatilidade culinária da batata evidenciam também a potencialidade para o investimento e desenvolvimento de produtos industrializados, com níveis de produção e consumo ainda muito baixos no Brasil, mas com boas perspectivas de mercado. A cultura apresenta maior destaque no Sudeste e Sul do país, em função das condições de clima mais favoráveis e do hábito alimentar dos habitantes, em sua maioria descendentes de europeus.
O cultivo orgânico é uma boa opção de renda aos produtores, pois além de agregar maior valor aos produtos através do sistema de produção, reduz o custo de produção com insumos que podem ser preparados na propriedade, proporcionando maior autonomia do produtor que, por sua vez, não fica dependente de insumos importados cada vez mais caros. É importante destacar que no período de 12 meses (junho/2007 a maio/2008), os fertilizantes e os agrotóxicos que o Brasil importa em sua grande maioria (cerca de 70%), tiveram um aumento de 120 e 70%, respectivamente. Por ser uma das hortaliças que mais utiliza agrotóxicos, o cultivo orgânico é essencial para garantir a saúde do produtor, consumidor e meio ambiente.
Recomendações técnicas
.Escolha correta da área e análise do solo: sempre que possível escolher áreas não cultivadas nos últimos três anos com batata e outras espécies da mesma família botânica. Solos contaminados com murchadeira e fusariose, doenças causadas por bactéria e fungo, respectivamente, não devem ser utilizados. Solos mal drenados, argilosos, pouco ensolarados e locais sujeitos a neblinas devem ser evitados. A análise do solo com antecedência é essencial para se fazer a recomendação adequada de adubação e correção da acidez. O excesso de calcário eleva o pH do solo que favorece a sarna comum, doença que contamina os tubérculos e o solo. O excesso ou a deficiência nutricional favorecem as doenças foliares e afeta a qualidade dos tubérculos.
.Uso de batata-semente de boa qualidade: o emprego de "semente" contaminada por viroses (doenças que causam a degeneração), sem brotação ou com brotação excessiva e/ou esgotada, leva ao fracasso da lavoura. O plantio de batata-semente em dormência, origina lavoura desuniformes e de fraco desenvolvimento. A aquisição da "semente" com antecedência, caso não esteja brotada, guardando-a em local protegido de pulgões para que a brotação ocorra naturalmente, é o ideal. A aquisição de algumas caixas de batata-semente de boa qualidade (certificada, registrada ou básica), multiplicando-a em área isolada sem problemas de doenças, no plantio de inverno/primavera, visando a produção de "semente" própria para o plantio de batata consumo no outono, no Litoral Catarinense, é uma boa alternativa para reduzir o alto custo deste insumo.
.Uso de cultivares adaptadas: no cultivo de batata orgânica é fundamental o uso de cultivar resistente às doenças foliares. Dentre as cultivares, a Epagri 361Catucha e SCS 365 Cota (Figura 1) são as que mais se destacam pela alta resistência à requeima e pinta-preta, principais doenças foliares da batata . Além da maior adaptação ao cultivo orgânico, estas cultivares possibilitam maior renda ao produtor, pois os tubérculos produzidos possuem alto teor de matéria seca, um dos principais requisitos para a industrialização na forma de "chips" batata palha e pré-fritas (palitos). A Epagri, através da Estação Experimental de São Joaquim, está multiplicando batata-semente de boa qualidade, das cultivares Catucha e SCS 365 Cota.
.Preparo adequado do solo: recomenda-se uma lavração profunda, com antecedência mínima de 30 dias e outra próximo ao plantio, quando houver condições adequadas de umidade do solo. Por ocasião do plantio da "semente", gradear o solo uma a duas vezes. O solo bem preparado, associado a amontoa (chegamento de terra) bem feita (cerca de 20 cm), sem torrões, reduz as pragas de solo como a larva-alfinete(Figura 2 – B) e larva-arame que ao perfurarem os tubérculos depreciam comercialmente os tubérculos colhidos (Figura 2 – C).
.Adubação equilibrada: para uma adubação equilibrada, recomenda-se a análise do solo e dos teores de nutrientes do adubo orgânico, com antecedência. Plantas bem nutridas são mais resistentes às doenças e pragas, produzindo tubérculos de melhor qualidade. O desequilíbrio nutricional aumenta a suscetibilidade às doenças da folhagem e à sarna dos tubérculos e, pode afetar a qualidade culinária e industrial da batata.
.Plantio na época recomendada: a batateira não tolera geadas e excesso de umidade. Temperaturas noturnas elevadas, na época de tuberização, prejudicam e até impedem a formação de tubérculos. Plantio de outono e de inverno (março/abril) – em regiões onde não ocorrem geadas (Litoral). Plantio de primavera (setembro/outubro) – em regiões onde ocorrem geadas. Plantio de verão (dez./janeiro) - onde as temperaturas são amenas no verão (Planalto).
.Irrigação: a batata, embora seja uma das hortaliças mais exigentes em água (consome de 300 a 500 mm de água durante todo o ciclo), é também prejudicada pelo excesso, pois reduz a aeração do solo, aumenta a lixiviação de nutrientes e, ainda, favorece às doenças. O sistema de irrigação por aspersão, embora seja o mais utilizado, favorece a ocorrência de doenças foliares (requeima e pinta-preta). Para diminuir este problema, recomenda-se sempre que possível, a irrigação pela manhã para evitar que a folhagem permaneça com umidade durante a noite. A fase do início da tuberização ao início da senescência (maturação), que vai de 45 a 55 dias após a emergência, é a mais crítica quanto à deficiência hídrica, podendo haver decréscimo da produtividade e o aparecimento da sarna-comum. Irrigações excessivas neste período podem favorecer o aparecimento das doenças de solo e da folhagem. A alternância de excesso e falta de água pode causar defeitos morfo-fisiológicos tais como embonecamento, rachaduras e outras deformações nos tubérculos.
.Amontoa: consiste em chegar terra junto às plantas, para melhorar sua fixação ao solo e, ainda para evitar que os tubérculos se desenvolvam fora da terra, favorecendo o esverdeamento. Uma boa amontoa em ambos os lados da fileira formando um camalhão com cerca de 20 cm de altura, quando as plantas estão com 25 a 30 cm de altura, reduz os danos de insetos que perfuram e depreciam comercialmente os tubérculos.
.Manejo de doenças e pragas: é possível prevenir o aparecimento e o desenvolvimento de grande parte delas com as seguintes medidas preventivas:
a) escolha correta da área;
b) uso de tubérculos-sementes sadios e protegidos dos pulgões;
c) utilizar cultivares resistentes;
d) arar o solo com três meses de antecedência para expor as pragas de solo e os patógenos ao dessecamento;
e) plantio na época recomendada;
f) evitar escalonamentos de plantios e o uso de "semente" de tamanhos diferentes na mesma área pois as plantas mais velhas são mais suscetíveis à pinta-preta, disseminando-a para as mais jovens;
g) nutrição e correção da acidez conforme análise do solo;
h) um bom preparo de solo (sem torrões) e a amontoa adequada (em torno de 20 cm) reduz os danos (perfurações nos tubérculos) causados pela larva-alfinete;
i) destruição dos restos de culturas, refugos de tubérculos, plantas hospedeiras e plantas voluntárias das proximidades da lavoura;
j) pulverização preventiva com calda bordalesa ( 0,5%), a cada 7 a 10 dias, a partir da emergência das plantas, visando o manejo de doenças e pragas da parte aérea;
k) pulverização com urina de vaca a 1%, visando o manejo da pinta-preta após a amontoa e
l) rotação de culturas com gramíneas.
.Colheita, classificação e armazenamento: a batata consumo deve ser colhida em dias secos, amenos e com baixa umidade no solo para evitar a contaminação dos tubérculos por doenças. As hastes devem estarem secas e os tubérculos com a película firme. A colheita deve ser feita 10 a 15 dias mais tarde para que a película dos tubérculos não se solte. Iniciar a seleção dos tubérculos durante a colheita, após a secagem externa deles, eliminando-se os podres e com defeitos. A classificação deve ser feita por tamanho. Após a embalagem em sacos, deve-se guardar as batatas em locais limpos, ventilados e escuros para evitar o esverdeamento. Recomenda-se apenas a escovação dos tubérculos, evitando-se a lavagem dos mesmos.
Figura 1. A escolha de variedades resistentes às doenças da folhagem é uma maneira de prevenir a ocorrência de doenças em batata. Na foto, a variedade de batata SCS 365 – Cota (à esquerda) lançada pela Epagri em 2008 para o cultivo orgânico, na Estação Experimental de Urussanga, é muito mais resistente ao sapeco da folhagem (requeima) quando comparada com a variedade Ágata (à direita), totalmente destruída, apesar de ser a mais cultivada no Brasil.
Figura 2. O preparo adequado do solo, associado à um bom chegamento de terra (amontoa), sem torrões, evita o ataque da larva-alfinete que perfura os tubérculos depreciando-os (C). Os furos nas batatas ocorre porque a vaquinha (A) - adulto, também chamada de patriota (coloração verde com pontinhos amarelo), ao pôr os ovos na batateira, estes vão cair no solo e, se estiver com torrões, os ovos, que darão origem a larva-alfinete (B) – fase larval da vaquinha, irão se alojar junto aos tubérculos em formação no fundo do camalhão.
A batata, juntamente com o tomate e o morango, vem sendo duramente atacada pela mídia pelo uso exagerado de defensivos agrícolas.
Quando falamos em produzir batata orgânica, logo se pensa em algo impossível ou fraudulento. Mas, é possível produzir batata orgânica com boas qualidades de tubérculos e com uma produtividade acima de 25 toneladas por hectare. O cultivo orgânico, seja ele de batata ou qualquer outro produto, requer conhecimento e tecnologias, muitas vezes acima dos níveis dos cultivos tradicionais (químicos).
Antes de iniciar o processo de produção, é indispensável que se entre em contato com algum órgão fiscalizador, como o Instituto de Biodinâmica (IBD), para que o produto receba um selo de garantia. Também é necessário que todos os passos sejam dados de acordo com as normas estabelecidas pelo órgão certificador sobre como e o que podemos usar, quanto tempo o solo deve ser deixado sem cultivo químico, entre outros detalhes no aspecto de produção. Ter um contato para comercialização também é de extrema importância, pois sem isto, o produtor pode ficar com suas batatas sem ter para quem vendê-las.
Assim como a batata convencional, a comercialização dos produtos orgânicos é um grande desafio. Os preços pagos aos produtores são bem diferentes daqueles pagos pelos consumidores. Este fenômeno pode ser atribuído aos seguintes fatos: um caminho longo do produtor ao consumidor, especulação de preços por parte dos supermercados, que colocam uma margem exagerada para produtos orgânicos, a própria lei da oferta e procura também pode influenciar nesta discrepância.
Nos países europeus, a produção e o consumo de produtos orgânicos crescem ano a ano. É possível encontrar nas prateleiras dos supermercados desde batata fresca até produtos processados, como chips e batata palito congelada, todos devidamente embalados e com identificação e informações ao consumidor, que possibilitem a rastreabilidade destes produtos. Também por parte das empresas que desenvolvem novos cultivares de batata, trabalham com grande quantidade de novos clones que atendem às necessidades tanto dos produtores orgânicos (qualidades agronômicas) como dos consumidores (qualidades culinárias).
Para a produção de batata orgânica devemos estar atentos aos seguintes pontos:
Variedade
É de extrema importância que tenhamos uma variedade que reúna algumas qualidades. A variedade deve ter um bom nível de resistência às principais doenças, como a requeima (Phytophtora infestans) e pinta preta (Alternaria solani).
Deve ter capacidade de extração de nutrientes do solo. Não seria recomendado, por exemplo, um cultivo orgânico de uma variedade como a Bintje; todos bataticultores sabem que é uma variedade que produz bem em condições de alta fertilidade.
Fato recente na Europa é que os órgãos fiscalizadores de produtos orgânicos estão exigindo o uso de batatas- semente orgânica, ou seja, outra característica que deve ser incorporada aos materiais seria a resistência a vírus para possibilitar a produção de batata -semente no sistema orgânico.
Qualidades culinárias também devem ser levadas em consideração, pois os consumidores de produtos orgânicos procuram por produtos que tenham um bom sabor e, se possível, bom aspecto visual.
Das variedades testadas, até o momento, a que melhor se comportou foi a Itararé do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), com tubérculos graúdos, bom aspecto e com qualidades culinárias semelhantes às variedades mais plantadas, como Monalisa, e alta resistência à requeima. Também vale ressaltar que a precocidade da Itararé é bastante interessante para o cultivo orgânico, pois por volta de 70 dias, já temos uma produção razoável, não sendo influenciada por doenças característica de final de ciclo, que caso contrário, poderia levar à perda de produção. O uso de batata semente de tamanho maior, tipo 1 ou florão, apresenta melhor desempenho que sementes menores.
Solo e Adubação
O solo deve estar corrigido para que a fertilidade natural seja explorada.
A calagem é permitida, bem como, a utilização de pó de rochas como o granito e mármore, cuja função principal seria a correção do pH, bem como, o fornecimento de cálcio e magnésio como nutrientes. Para suplementação de Nitrogênio, podemos aplicar húmus e torta de mamona. O fósforo é suplementado com fosfatos naturais (fosfato de Araxá) ou com termofosfatos (Yorin)
Tratos Culturais
O sistema orgânico, praticamente, não difere do cultivo convencional, como plantio, amontoa e colheita. No caso da amontoa, devemos fazê-la o mais cedo possível, para que, nesta operação, grande parte das ervas sejam eliminadas e que possam ser evitadas lesões nas raízes, que seria uma porta para a entrada de bactérias (Erwina sp). No caso de aparecimento de novas sementeiras, podemos usar um lança chamas ou maçarico para queimar estas plantinhas. Em uma cultura bem vigorosa, não teremos problemas com o mato até a colheita.
O uso de calda Bordaleza e Sulfocáustica é utilizado para o controle preventivo de doenças de folha. Para insetos, o ácido pirolenhoso e extrato de Nim Indiano(Azadirachta indica) são aplicados também como repelente. No entanto, em uma lavoura bem conduzida, o ataque de pragas e doenças está sempre em equilíbrio. Mesmo pragas agressivas como a mosca minadora (Liriomyza sp) tem a população controlada por vespas, ou mesmo sendo eliminada por outros tipos de insetos predadores, o que não se observa nos campos que se fazem tratamentos químicos.
Outros pontos a ser observados em tratos culturais seriam:
– O plantio de sementes de idade fisiológica ideal, ou seja, não estar com brotação excessiva (esgotada) e também não estar sem brotos (cega).
– Procurar época de plantio para a região que ofereça boas condições climáticas para o desenvolvimento da cultura.
– Irrigar a lavoura com o máximo de critério, como quantidade de água aplicada, turno de rega, evitar vazamentos, etc.
– Se possível, instalar o campo próximo a reservas com matas. Estes locais são abrigos para várias espécies de inimigos naturais de pragas.
Analisando superficialmente o cultivo da batata orgânica, pode-se afirmar que, mesmo em nossas condições, é possível atingir boas produções. Cabe também a oportunidade para refletirmos sobre como estamos trabalhando nossas lavouras com relação a fertilizantes e agroquímicos. Estamos respeitando o período de carência? Não estaríamos exagerando na aplicação de fertilizantes? Usamos os defensivos seguindo as orientações dos fabricantes? Temos receio de consumir o que produzimos?
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